2012 wabi: viver como um rio, sonhar como o mar



Antes de tudo, de tudo mesmo, a Terra foi criada. Depois, a vida animal e, em seguida, a vida humana. Os deuses queriam simplesmente ser adorados por suas criaturas. O barro era a essência inerente dos homens. Mas, um erro, e o barro não resistiu e os homens se desintegravam.

Uma nova tentativa e os homens, agora feitos de madeira, resistiram e sobreviveram aos tempos. Ao se verem fortes quiseram ser deuses. E ao se acharem deuses esqueceram-se de que eram apenas divinos. E assim tornaram-se prepotentes, arrogantes, frívolos e sem caráter. Sem valores e sem respeito à vida.

O Grande Pai e a Grande  Mãe, insatisfeitos com o que haviam criado, não tiveram outra alternativa. Uma grande tempestade como nunca se viu igual nem se verá, escureceu o mundo. Um dilúvio aniquilou este tipo de espécie humana. Assim, esta experiência divina, chegou ao fim. Com um desastre promovido pela natureza, pelo choro dos deuses alarmados com o que viam.

A Terra se viu limpa, linda, aberta, sol solto no ar, e só. E livre dos espíritos do mal, dos vaidosos e dos desumanos.

Os deuses, agora, sabem que não podem errar. Junto com a forma, é preciso criar a essência. Inventam quatro homens surgidos pela magia de grãos de milho moídos, espremidos. A partir de suas formas, quatro mulheres. A Humanidade de novo. Ressurgida dos grãos feitos pela natureza. Assim é e, assim, se multiplicou.

E os deuses se alarmaram com tanto crescimento e a multiplicação humana. Consideraram a hipótese real de serem traídos por uma humanidade ingrata e o desejo dos homens de suplantá-los.

Assim, o Grande Pai e a  Grande Mãe  tomam uma nova decisão. Resolvem tornar os homens menos sábios e menos inteligentes. Para que nunca pudessem superá-los.

As oito criaturas nascidas dos grãos do milho tiveram sua capacidade de percepção diminuída e sua sabedoria reduzida,drasticamente. E  assim estão até hoje, com sua capacidade de expansão presa numa espécie de rede de limitações.

Longe ainda da Grande Lei que rege todos os fenômenos. A poderosa Lei do Universo. Ainda distantes de se unir a esta força cósmica para criar uma nova proposta de mundo. Acorrentadas ao impossível. E, assim, acreditam que nunca serão capazes de ir além. Sentindo-se, ainda, impotentes diante das maldades. Incapazes de buscar os caminhos da transformação. Acreditando na felicidade pelos impulsos que a vida pode dar com base apenas, nos  mundos externos. Desacreditando da arte e da própria capacidade de revolucionar e de construir, entre a escuridão e a força criativa da luz, uma ponte silenciosa e permanente sob o sol.

É, naturalmente, um mistério impiedoso sobre nossas almas, que o mundo esteja assim. Entregue às conexões do mal e da dor. E que as brumas apaguem as brechas do infinito. E que a vida seja percebida só pelos nossos diminutivos. E que o olhar que temos sobre a existência, o pulsar das ruas, dos vales, das montanhas, do coração humano, da inteligência, dos céus e seus percalços, das luas e suas vitórias, do sol e sua iluminação não sejam capazes de ampliar nossos sonhos e nos humanizar, nos fazer expandir, muito além de nossas galáxias internas.

Os homens são essencialmente livres. Mas estão, limitadamente, presos. E não é culpa dos deuses.

Agora percebo as nossas dimensões invisíveis, extensos universos  nos quais não ousamos entrar nem conhecer. Elas são muito maiores do que podemos imaginar e vão muito além de nossas circunstâncias de qualquer tempo e qualquer espaço. São vastos campos de eternidade, de pó, cinzas, neblinas, névoas, mas também feitas de ouro, o mais puro ouro, nossas energias vitais fluindo por mundos múltiplos e diversos a cada segundo .

A questão é se, exatamente, não nos deixamos tomar pelo patético e deixamos de voar pelas dimensões de nossos ouros. Se ficamos nas cinzas, nas sombras e no pó, não enxergamos, assim, os lindos campos de sonho e sol do amanhecer, os enigmas da vida transformados em nesgas de ouro dos vales do entardecer. Ouro pessoal, individual, universal, muito além do corpo, da mente, dos sentidos e dos espaços do espírito. Uma outra dimensão da verdade da vida.

Não será preciso ir muito longe para caminhar pelas vastas planícies de nossa existência, onde nossos ouros são a nossa essência. Não será preciso mover céus e terra, mas será necessário saber enxergar todas as nossas possibilidades, as possibilidades do incrível e do inacreditável, nossas dimensões novas e nossa jornada em direção a elas como um poder pessoal. Elas não estão lá! Estão aqui dentro, onde há veias e músculos, cérebro e coração. Onde o sangue é como um rio valente, a se atirar pelo imponderável sempre a caminho de seu objetivo principal.

 Ah! É isto, então. Viver como um rio, mas sonhar como o mar !

Um rio de verdade, por entre as pedras, os contornos e entrâncias, sob o clarão e os cheiros do vasto luar e a benção das luzes e dos feitiços de nossas mais puras energias. Milhões de mundos de potencialidades, por entre dúvidas e perspectivas, esperas e angústias. Mas sempre sob a certeza de que não há verdade buscada que não possa ser encontrada um dia, e de que não existem horizontes internos inacessíveis e que não  possam  ser alcançados.

A questão que nos atordoa e nos incomoda, tanto quanto nossa ingratidão ,é nossa continuada omissão perante a vida. Tudo faz sentido, um único e vasto sentido. Tudo conduz à totalidade que nos une e nos faz responsáveis por todos os mundos individuais e coletivos. Nada acontece só para nós. Nada existe só. Estamos de fato, irremediavelmente, entrelaçados. Os fatos, solitários ou múltiplos, nos  ligam na mesma responsabilidade e nas mesmas consequências. Mas temos a mania de aceitar as desgraças e as misérias como se elas não nos atingissem. Todas as vidas, milhões de vidas em todos os tempos são a nossa jornada, a nossa face.

Assim, uma existência, basta uma única, ultrajada, vilipendiada, violentada
é  nossa face que se desfigura. Lentamente, aos poucos. E toda vez que nos desfiguramos, mudamos o rosto do mundo que idealizamos e queremos.

A ingratidão, a omissão, será sempre preciso eliminar isto da face da terra. Extirpar a miséria da alma humana.

Só assim o sopro dos ventos do sol nos guiará por uma linda jornada solidária. E seremos a humanidade que devemos ser.

Assim podemos fazer, de algum modo, uma história pessoal que não se vai com o tempo. E que mereça, de fato, ser eternizada.
             
O  Grande Pai. A Grande Mãe. A Grande Lei. Tudo está aqui - em nós. A voar entre ruelas e caminhos, ao sabor das trilhas versejando sobre as luzes das pedras,  a multiplicidade das cores, as indagações do futuro, os mundos múltiplos que se estendem até onde a vista não alcança, mas o coração sente. Nada ficou no passado. Até porque o melhor do passado é a parceria com o infinito universal que podemos estabelecer. 

Não se pode  culpar os deuses porque sempre esbarramos no fundo do lago entre algas tóxicas, emaranhados pela poluição, perdidos em uma espécie de lama que nos suja a vida e nos faz esquecer de que podemos, sim, nos livrar do lixo da maldade.

Entre as brumas a invadir lentamente as águas, podemos olhar fixamente para elas. E nos aninhar na expectativa do que podemos de fato fazer para nos salvar. Elas, apesar de brumas, trazem também as manhãs claras e o mundo azul dos nossos céus internos. Os verdes vales dos caminhos que percorremos mesmo sem perceber. Os rios tumultuados e curvos, salientes e indomáveis a voar por nossas vidas. Nos silêncios longos de nossas dores e aflições, mas também na ventania que percorre os ares de nossas mais puras esperanças.

Para os deuses que nos protegem e a Grande Lei, será sempre essencial, para o bem da sociedade e a felicidade das pessoas, não importa o tempo, nem o lugar, que a verdade, a justiça e o mais profundo amor triunfem. Assim diz o Mestre das planícies e dos vales, das montanhas e do coração planetário. O Mestre do mundo.

Apesar de brumas, elas trazem agora a madrugada de festa sob as estrelas de nossos céus.

A festa que cada um de nós pode, perfeitamente, fazer .Acredite, isso não é uma lenda. Uma festa sem iguale sem fim.
Sim!Viver como um rio e sonhar como o mar!
----------------------------------------------------------
(texto extraído do meu livro UM VAZIO NO CORAÇÃO DO MUNDO, no prelo, a ser publicado em 2012, contendo a descrição da criação dos seres humanos segundo os maia-quiché, que habitaram parte da atual Guatemala.)
2012
Você é a estrela que merece ser. A festa da vida que só você pode fazer.
O melhor da história é fazer a história!
Um lindo ano para você!
Obrigado pelo carinho de seu apoio e amizade!

Carlos Alberto Luppi


2012 wabi : pela sustentável leveza do ser profundo

clarissa pinkola estées



para manter a sustentabilidade do ser profundo, uma boa vassourinha é indispensável


instinto iluminado