camélia no musgo - muito wabi

estou lendo o  "a elegância do ouriço"  de muriel barbery, lamentando que já estou quase chegando ao final do livro.
neste domingo, sentada no galpão, o resto de brasas incandescentes no forno à lenha, os gatos aninhados na almofada macia da cadeira, meu marido escrevendo e ouvindo miles davis,as estrelas reaparecendo depois de dias de chuva, cheguei a um capítulo chamado wabi. meu coração piscou mais uma vez.
wabi em japonês = uma qualidade de requinte mascarada de rusticidade.
sinto-me  a própria camélia no musgo. (nem sempre...) explico aqui.
a concierge, personagem do livro, assiste uma noite a um video, o filme as irmãs munakata, do diretor ozu.
ela comenta sobre duas cenas curtas e marcantes num roteiro sobre o novo e o antigo japão, conflitos, violência,decepção amorosa, "que nada na intriga motiva" e que no entanto "provocam um  emoção tão forte, mantêm todo o filme entre parênteses inefáveis."
cena 1: o pai, que em breve morrerá, conversa com a filha sobre o passeio que acabam de fazer por kyoto. bebem saquê.
o pai : e esse templo do musgo! a luz ainda realçava o musgo.
setsuko, a filha : e também a camélia posta ali em cima.
o pai : você reparou nela? como estava bonito! (pausa)
no antigo japão há coisas lindas. (pausa) esse modo de decretar que tudo é ruim me parece exagerado.
o filme avança e , bem no finzinho, setsuko, a mais velha, conversa com a irmã mais nova , muriko, num parque.
 cena 2 : setsuko, com o rosto radioso: diga-me mariko, por que os montes de kyoto são violeta?
mariko, esperta: é verdade, parece um flã de azuqui.
setsuko, sorridente: é uma cor muito bonita.


e aqui está a chave do filme, diz a concierge no livro, algo que escapa aos ocidentais.


setsuko: a verdadeira novidade é aquilo que não envelhece, apesar do tempo.


a camélia sobre o musgo do templo, o violeta dos montes de kyoto, uma xícara de porcelana azul, essa eclosão da beleza pura no centro das paixões efêmeras, não é a isso o que todos nós aspiramos? e não é isso que nós, civilizações ocidentais, não sabemos captar?
a contemplação da eternidade do próprio movimento da vida.  

3 comentários:

  1. Nossa Simonetta! Tive que compartilhar no Face, pois o texto, além de delicado, divulga um livro que me parece sensacional e faz a gente pensar sobre como aprender a contemplar a eternidade do próprio movimento da vida. Lindo! Além de narrar detalhes, como xícara de porcelana azul... flã de azuqui... os montes de Kyoto são de cor violeta... e a foto da camélia no musgo está maravilhosa!
    Beijos,
    Lívia

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  2. Minha querida Simonetta, esta vida com pé na terra te faz cada vez mais delicada...
    Grande beijo, Iane

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  3. iane querida,
    te abraço apertado,
    suaves perfumes

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